1. Caracterização da Atividade
Trata-se de vistoria objetivando atender a denúncia enviada por mail pelo Sr. Ivan Marcelo Neves, Secretário Executivo do Instituto Socioambiental da Baía da Ilha Grande, onde informa que a empresa Valle Sul está realizando o asfaltamento das ruas do bairro Itinga, a serviço da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis. Alerta para o processo de ocupação desordenada, colocando em risco a vegetação de mangue, restinga e comprometimento dos corpos hídricos, inclusive a praia.
2. Condições de localização
O bairro do Itinga está assentado em uma planície situada entre a Rodovia Mário Covas (BR 101) e a Praia do Itinga, confrontando pelo lado direito, para quem olha para o mar, com o Condomínio Bracuhy e pelo lado esquerdo com a retroterra da localidade denominada Ilha Comprida (Figura 1).
Nesta área encontram-se significativas manchas florestais características da Mata Atlântica, com fragmentos de manguezais, restingas, áreas alagadas (taboais), além de corpos hídricos. A praia do Itinga caracteriza-se pela existência de praticamente 4 arcos praiais, sendo que o maior deles é segmentado por dois rios. O somatório dos quatro arcos aproxima-se de 1500 metros lineares.
Somente um arco praial encontra-se relativamente urbanizado, onde está ocorrendo a pavimentação, sendo que nos demais a vegetação ainda predomina junto à praia. O comprimento deste arco é de aproximadamente 230 metros lineares.
A praia apresenta uma estreita faixa de areia fina, de coloração escura, e o mar no local é de baixa energia na maior parte do tempo.
O bairro do Itinga apresenta uma rua central denominada Rua Paraíba, retilínea e com comprimento aproximado de 2.300 m, que sai da BR 101 até a praia, onde deriva tanto para a direita quanto para a esquerda, formando a rua Rio de Janeiro. A inflexão para a esquerda finaliza no canto do arco praial, enquanto que à da direita sai na Rua Maria Cândida Sabino de Almeida que apresenta um traçado mais sinuoso e, a princípio, finaliza no condomínio Bracuhy. Paralela à Rua Paraíba encontra-se outro arruamento, em condições precárias na maior parte do trecho, sendo cortadas por ruas perpendiculares, formando as quadras. No entanto, o arruamento não se encontra geométrico, uma vez que em alguns trechos o adensamento populacional é baixo, permitindo a recuperação da vegetação. Desta forma, visualizam-se três núcleos populacionais, sendo dois ao longo da Rua Paraíba e um ao longo da Rua Maria Cândida. No entanto, ao longo das ruas, observam-se casas esparsas entremeadas por comércio e lotes vazios, porém cercados.
A ocupação ao longo da Rua Paraíba se deu através de um loteamento regular, mas que foi, e ainda é, objeto de lide judicial. Enquanto o processo ficou tramitando na justiça, ocorreu uma invasão do loteamento pelos atuais moradores, sendo que já foi expedida sentença de reintegração de posse. Porém, o proprietário está negociando a revenda junto aos moradores.
As residências, na sua maioria, são de baixo padrão, porém, encontram-se edificações pertencentes a pessoas de maior poder aquisitivo. Existem muitas residências fechadas e, de acordo com informações locais, pertencem a veranistas oriundos principalmente das cidades de Volta Redonda e Barra Mansa.
O bairro não é atendido pelo serviço de coleta e tratamento de esgoto, não possuindo nenhuma infraestrutura de saneamento básico.
Aproximadamente 1/3 da área do bairro encontra-se no interior da APA dos Tamoios, unidade de conservação de âmbito estadual, criada através do Decreto .Nº 9.452/86, tendo seu Plano Diretor regulamentado pelo Decreto Nº 20.172/94 (Figura 2). A orla litorânea relativa aos 33 metros a partir da média das preamares corresponde à Zona de Vida Silvestre da APA de Tamoios, a qual é “destinada à salvaguarda da biota nativa através da proteção do habitat de espécies residentes, migratórias, raras, endêmicas, ou ameaçadas de extinção, bem como à garantia da perenidade dos recursos hídricos, das paisagens e belezas cênicas e dos sítios arqueológicos” (Figura 3).
Apesar de constituir-se na Zona mais restritiva da APA, considerada não edificante, constatou-se a existência de moradias e comércio, além do próprio arruamento que está sendo pavimentado.
De acordo com Lei 2901/2009 que dispõe sobre o zoneamento municipal de Angra dos Reis, a área em questão está inserida em quatro zonas, a saber: Zona Residencial 1, Zona Residencial 2, Zona de Interesse Ambiental e de Ocupação Coletiva (ZAOC) e Zona de Interesse Ambiental de Proteção (ZIAP) (Figura 4). As duas primeiras zonas referem-se à maior parte do loteamento, inclusive as áreas vegetadas. A ZAOC corresponde à faixa litorânea, coincidindo com a ZVS da APA de Tamoios. A ZIAP abrange boa parte da área de manguezal e restinga, contigua ao loteamento e que vem sofrendo forte processo de invasão.
De acordo com a legislação municipal, a ZAOC é área pública de Proteção Ambiental que não possui subdivisões nem pode ser motivo de parcelamento de solo, sendo destinada ao uso coletivo de recreação, lazer e estrutura de apoio turístico, administrado pelo Poder Público ou sob forma de concessão para a iniciativa privada.
São ZIAP as florestas e demais formas de vegetação situadas ao longo dos rios e de quaisquer corpos d’água, naturais ou artificiais, incluindo as nascentes intermitentes ou temporárias, as suas faixas marginais de proteção; e as florestas de vegetação natural, quando fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangue, ou quando essenciais à manutenção da qualidade de vida ou dos recursos ambientais, estabelecidas por ato do Poder Público ou decisão judicial.
3. Informações relevantes
3.1. Situação observada
Em vistoria, constatou-se que está ocorrendo a pavimentação das principais ruas do bairro Itinga, executada pela empresa Vale Sul, a serviço da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis. A obra não possui licença ambiental.
As intervenções ocorreram até o momento na rua Guanabara, na Rio de Janeiro e na rua Maria Cândida. Nestes trechos foram colocadas guias, mantendo-se uma largura da rua de aproximadamente seis metros. Estas ruas estão recobertas por pedriscos, sem receberam o asfalto ainda (Figura 5).
A rua Rio de Janeiro é a que corre paralela à praia do Itinga, sendo que no momento da vistoria encontra-se a aproximadamente 6 metros da linha da maré, ou seja, a rua é contigua à praia. Encontra-se totalmente inserida na ZVS da APA de Tamoios. No outro lado da rua, existem residências e comércio, também inseridos nesta mesma zona.
A drenagem pluvial está sendo realizada através de tubulões de concreto de aproximadamente 60 cm de diâmetro. No lado direito da praia observa-se a finalização da canalização drenando diretamente na praia (Figura 5). Já na rua Guanabara, a canalização segue pelo eixo da rua e desemboca diretamente no manguezal (Figura 5). Em outros pontos da rua Maria Cândida, drena-se para pequenos corpos hídricos.
Observou-se um forte processo de ocupação desordenada, especialmente nos fundos das ruas secundárias (perpendiculares às principais), as quais geralmente finalizam em fragmentos florestais, verificando-se parcelamento irregular do solo, supressão e queima de vegetação, aterro de áreas alagadas, construções contiguas aos manguezais, obstruções de canais de drenagem, dentre outros aspectos. Estas edificações (algumas de apenas um cômodo), na sua grande maioria, provavelmente não possuem alvará de construção emitida pela Prefeitura Municipal, porém, praticamente todas possuem eletrificação. Em alguns locais verifica-se adensamento tal que pode ser caracterizado pelo início de um processo de favelização.
3.2. Aspectos legais
Do ponto de vista do Plano Diretor da APA de Tamoios, cabe destacar o seguinte:
Art. 5º - O parcelamento do solo na APA de Tamoios deverá obedecer às seguintes condições:
I – Não será permitido o parcelamento do solo em:
...
c) Zonas de Vida Silvestre.
...
f) na faixa de 30 metros de largura em toda a extensão das praias, ...
...
III – Os projetos de parcelamento do solo que se localizarem na Área de Proteção e Preservação dos Manguezais, definida pela Lei Nº 1.130/87, deverão atender aos seguintes requisitos:
...
b) no caso de não haver sistema de esgoto adequado na bacia receptora os efluentes deverão ser, previamente, tratados conforme exigência da FEEMA (lê-se INEA);
c) a faixa de transição, entre a área de manguezal e a área a ser parcelada, é não edificante, e terá largura variável de acordo com o porte do manguezal, porém, nunca inferior a 15 metros;
d) deverá ser comprovada a viabilidade para a implantação dos seguintes equipamentos urbanos:
1. rede e equipamento para o abastecimento de água potável;
2. rede de escoamento de águas pluviais com corpo receptor adequado;
3. sistema de coleta e tratamento de esgotos sanitários.
Art. 7º - A ocupação do solo no território da APA deverá obedecer aos seguintes critérios:
I – São consideradas não edificantes todas as áreas:
...
c) nas ZVS, exceto as obras indispensáveis a pesquisa e à administração e fiscalização da APA;
...
g) nas áreas consideradas de preservação permanente pela Lei Nº 4.771/65 – Código Florestal, independente do estágio de conservação de sua cobertura vegetal;
...
III – Nas faixas, a seguir determinadas, em toda extensão das praias, contadas a partir dos limites desta, ou seja, onde termina sua faixa de areia, só serão admitidos equipamentos urbanos públicos de estrutura básica e de lazer:
...
c) praias maiores de 101 metros de extensão, numa faixa de 15 metros de largura.
Com relação ao Decreto Estadual 42.159 de 02/12/09, que institui o novo Sistema de Licenciamento Ambiental no Estado do Rio de Janeiro, consideram-se como atividades sujeitas ao licenciamento ambiental no Grupo 33 – Construção Civil, a pavimentação de estradas, vias urbanas e pavimentação especial.
A Resolução CONEMA Nº 18 de 28/01/2010 que aprova a MN-050.R-4 – Classificação de Atividades Poluidoras, apresenta a seguinte redação para o Código 33.61.30 “ Pavimentação de estradas, vias urbanas e pavimentação especial, exceto as obras e intervenções de conservação ou melhorias, nos limites da faixa de domínio de rodovias previstas no art. 2º da Resolução CONEMA Nº 04 de 18/11/08”. O potencial poluidor desta atividade foi classificado como baixo.
A Resolução CONEMA Nº 04 estabelece:
Artigo 2º - “Não dependem de licenciamento ambiental a execução de obras e intervenções de conservação ou melhorias nos limites da Faixa de Domínio de vias e rodovias, que se encontrem em operação, listadas a seguir:
I - poda de árvores, cujos galhos invadam o acostamento ou a faixa de rolamento, encubram a sinalização ou em situação de risco iminente à segurança, respeitados os padrões municipais vigentes para o procedimento;
II - estabilização de taludes de corte e saias de aterro;
III - limpeza e reparo de sistemas de drenagem, que não impliquem em dragagem;
IV – implantação e alteração de sinalização horizontal e vertical, observados os padrões oficiais;
V - implantação de cercas, defensas metálicas ou similares;
VI – execução de recapeamento;
VII – pavimentação e manutenção de acostamento já existente;
VIII – reparos em obras de arte;
IX – implantação de caixa de contenção, ou de retenção, em pontos sensíveis da rodovia, com vistas a prevenir danos decorrentes de derramamento de produtos perigosos;
X – implantação de uma faixa adicional, contígua às faixas existentes, necessária a segurança do tráfego, em trechos de aclive, dentro da Faixa de Domínio já implantada;
XI – obras para melhorias geométricas, recuos, balanças, passarelas, ciclovias e pontos de ônibus.
§ 1º - As intervenções e obras referidas nos incisos VII, VIII, IX, X e XI independem de licenciamento ambiental desde que não:
I – alterem a drenagem natural ou a seção de escoamento fluvial;
II – causem dano à Faixa Marginal de Proteção – FMP de corpos hídricos, aos recursos hídricos e ao solo;
III – necessitem de infra-estrutura de saneamento;
IV – haja risco de poluição ou contaminação dos recursos hídricos; e,
V – haja necessidade de relocação de população.
§ 2º - As intervenções e obras acima referidas devem ser objeto de consulta sobre a necessidade de licenciamento quando as respectivas parcelas das faixas de domínio estiverem inseridas em áreas de preservação permanente, unidades de conservação e em áreas de objeto de programas ambientais de governo, nos termos da legislação em vigor.
§ 3º Quando houver supressão de vegetação dependerá de autorização do órgão ambiental competente.”
3.3. Análise
Por melhor que sejam as intenções do Poder Público Municipal em propiciar melhor qualidade de vida à população, especialmente às mais carentes, não se pode desconsiderar a procedência da denúncia quanto aos futuros impactos e riscos ambientais associados a um forte processo de ocupação urbana desordenada, parcialmente inserida em uma unidade de proteção de uso sustentável e dentro da Zona de Interesse Ambiental de Proteção pela legislação municipal.
Também não se pode desconsiderar a pouca eficiência dos poderes públicos estadual e municipal na contenção deste processo que ainda encontra-se em andamento, acarretando na supressão de vegetação de restinga e de mangue, além do aterro de áreas alagadas, na poluição dos corpos hídricos, no parcelamento irregular do solo, levando a um processo de favelização e conseqüente degradação ambiental.
Se não se pode responsabilizar diretamente a Prefeitura Municipal por esta ocupação desordenada no passado, assim como o Estado pela não coibição da ocupação em ZVS da APA de Tamoios, torna-se imprescindível adotar medidas e estratégias conjuntas para evitar o agravamento do problema, enquanto é tempo, especialmente quando se considera que grande parte desta planície apresenta-se ocupada por vegetação nativa.
Neste contexto, o asfaltamento das ruas, sem um sistema de coleta e tratamento de efluentes domésticos, com uma rede pluvial tecnicamente questionável, em um loteamento em que quase a totalidade das edificações não se encontra regularizada na própria Prefeitura, se não questionável do ponto de vista das prioridades, passa a ser do ponto de vista ambiental, especialmente quando se considera a unidade de conservação e os ambientes frágeis do entorno.
A pavimentação por si só não pode ser considerada como significativamente impactante e, tanto não é que esta atividade ficou classificada como de baixo impacto pela Resolução CONEMA Nº 18. A pavimentação pode estimular a ocupação, mas esta virá, independente da mesma. O que se deva avaliar é quais mecanismos deverão ser adotados para evitar o adensamento populacional indiscriminado, com perdas ambientais significativas.
Historicamente, a rede pluvial tem servido de drenagem de esgotos domésticos que, clandestinamente, conectam à mesma, acarretando na poluição dos corpos hídricos, inclusive as praias.
Pelo exposto, o licenciamento da pavimentação ora em andamento, apesar de estar legalmente previsto uma vez que não se enquadra nas exclusões apresentadas na Resolução CONEMA Nº 4, poderá contribuir no sentido de adotarem-se as medidas corretivas e preventivas para a minimização dos impactos ambientais.
4. Conclusão
• Considerando que a pavimentação ora em andamento, de responsabilidade da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis é objeto de denúncia;
• Considerando que parte do empreendimento encontra-se no interior da APA de Tamoios, em Zona da Vida Silvestre, a qual veda qualquer tipo de edificação e equipamento público;
• Considerando que grande parte do bairro é resultante de loteamento irregular e encontra-se em litígio judicial;
• Considerando que está ocorrendo um forte processo de ocupação urbana desordenada, com significativos impactos ambientais negativos;
• Considerando que a rede de drenagem, a princípio, apresenta deficiências técnicas do ponto de vista ambiental;
• Considerando que o bairro não possua infraestrutura de coleta e tratamento de esgoto;
• Considerando que não se conhece o projeto de pavimentação pretendido;
• Considerando que pavimentação de vias públicas é passível de licenciamento pelo Decreto Nº 42.159/09;
• Considerando que a Resolução CONEMA Nº4 não exclui do licenciamento ambiental o capeamento de vias públicas;
• Considerando que não é da competência do Superintendente embargar este tipo de atividade.
Submeto a apreciação do Conselho Diretor do INEA para manifestação quanto às medidas cabíveis, recomendando que o assunto seja posteriormente debatido no Conselho da APA de Tamoios para a elaboração de estratégias que contemplem medidas que deverão ser adotadas em curto e médio prazo objetivando minimizar os impactos sobre a unidade de conservação.
Júlio César Lopes de Avelar
Superintendente Regional / SUPBIG
Mat. 390.255-8
Trata-se de vistoria objetivando atender a denúncia enviada por mail pelo Sr. Ivan Marcelo Neves, Secretário Executivo do Instituto Socioambiental da Baía da Ilha Grande, onde informa que a empresa Valle Sul está realizando o asfaltamento das ruas do bairro Itinga, a serviço da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis. Alerta para o processo de ocupação desordenada, colocando em risco a vegetação de mangue, restinga e comprometimento dos corpos hídricos, inclusive a praia.
2. Condições de localização
O bairro do Itinga está assentado em uma planície situada entre a Rodovia Mário Covas (BR 101) e a Praia do Itinga, confrontando pelo lado direito, para quem olha para o mar, com o Condomínio Bracuhy e pelo lado esquerdo com a retroterra da localidade denominada Ilha Comprida (Figura 1).
Nesta área encontram-se significativas manchas florestais características da Mata Atlântica, com fragmentos de manguezais, restingas, áreas alagadas (taboais), além de corpos hídricos. A praia do Itinga caracteriza-se pela existência de praticamente 4 arcos praiais, sendo que o maior deles é segmentado por dois rios. O somatório dos quatro arcos aproxima-se de 1500 metros lineares.
Somente um arco praial encontra-se relativamente urbanizado, onde está ocorrendo a pavimentação, sendo que nos demais a vegetação ainda predomina junto à praia. O comprimento deste arco é de aproximadamente 230 metros lineares.
A praia apresenta uma estreita faixa de areia fina, de coloração escura, e o mar no local é de baixa energia na maior parte do tempo.
O bairro do Itinga apresenta uma rua central denominada Rua Paraíba, retilínea e com comprimento aproximado de 2.300 m, que sai da BR 101 até a praia, onde deriva tanto para a direita quanto para a esquerda, formando a rua Rio de Janeiro. A inflexão para a esquerda finaliza no canto do arco praial, enquanto que à da direita sai na Rua Maria Cândida Sabino de Almeida que apresenta um traçado mais sinuoso e, a princípio, finaliza no condomínio Bracuhy. Paralela à Rua Paraíba encontra-se outro arruamento, em condições precárias na maior parte do trecho, sendo cortadas por ruas perpendiculares, formando as quadras. No entanto, o arruamento não se encontra geométrico, uma vez que em alguns trechos o adensamento populacional é baixo, permitindo a recuperação da vegetação. Desta forma, visualizam-se três núcleos populacionais, sendo dois ao longo da Rua Paraíba e um ao longo da Rua Maria Cândida. No entanto, ao longo das ruas, observam-se casas esparsas entremeadas por comércio e lotes vazios, porém cercados.
A ocupação ao longo da Rua Paraíba se deu através de um loteamento regular, mas que foi, e ainda é, objeto de lide judicial. Enquanto o processo ficou tramitando na justiça, ocorreu uma invasão do loteamento pelos atuais moradores, sendo que já foi expedida sentença de reintegração de posse. Porém, o proprietário está negociando a revenda junto aos moradores.
As residências, na sua maioria, são de baixo padrão, porém, encontram-se edificações pertencentes a pessoas de maior poder aquisitivo. Existem muitas residências fechadas e, de acordo com informações locais, pertencem a veranistas oriundos principalmente das cidades de Volta Redonda e Barra Mansa.
O bairro não é atendido pelo serviço de coleta e tratamento de esgoto, não possuindo nenhuma infraestrutura de saneamento básico.
Aproximadamente 1/3 da área do bairro encontra-se no interior da APA dos Tamoios, unidade de conservação de âmbito estadual, criada através do Decreto .Nº 9.452/86, tendo seu Plano Diretor regulamentado pelo Decreto Nº 20.172/94 (Figura 2). A orla litorânea relativa aos 33 metros a partir da média das preamares corresponde à Zona de Vida Silvestre da APA de Tamoios, a qual é “destinada à salvaguarda da biota nativa através da proteção do habitat de espécies residentes, migratórias, raras, endêmicas, ou ameaçadas de extinção, bem como à garantia da perenidade dos recursos hídricos, das paisagens e belezas cênicas e dos sítios arqueológicos” (Figura 3).
Apesar de constituir-se na Zona mais restritiva da APA, considerada não edificante, constatou-se a existência de moradias e comércio, além do próprio arruamento que está sendo pavimentado.
De acordo com Lei 2901/2009 que dispõe sobre o zoneamento municipal de Angra dos Reis, a área em questão está inserida em quatro zonas, a saber: Zona Residencial 1, Zona Residencial 2, Zona de Interesse Ambiental e de Ocupação Coletiva (ZAOC) e Zona de Interesse Ambiental de Proteção (ZIAP) (Figura 4). As duas primeiras zonas referem-se à maior parte do loteamento, inclusive as áreas vegetadas. A ZAOC corresponde à faixa litorânea, coincidindo com a ZVS da APA de Tamoios. A ZIAP abrange boa parte da área de manguezal e restinga, contigua ao loteamento e que vem sofrendo forte processo de invasão.
De acordo com a legislação municipal, a ZAOC é área pública de Proteção Ambiental que não possui subdivisões nem pode ser motivo de parcelamento de solo, sendo destinada ao uso coletivo de recreação, lazer e estrutura de apoio turístico, administrado pelo Poder Público ou sob forma de concessão para a iniciativa privada.
São ZIAP as florestas e demais formas de vegetação situadas ao longo dos rios e de quaisquer corpos d’água, naturais ou artificiais, incluindo as nascentes intermitentes ou temporárias, as suas faixas marginais de proteção; e as florestas de vegetação natural, quando fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangue, ou quando essenciais à manutenção da qualidade de vida ou dos recursos ambientais, estabelecidas por ato do Poder Público ou decisão judicial.
3. Informações relevantes
3.1. Situação observada
Em vistoria, constatou-se que está ocorrendo a pavimentação das principais ruas do bairro Itinga, executada pela empresa Vale Sul, a serviço da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis. A obra não possui licença ambiental.
As intervenções ocorreram até o momento na rua Guanabara, na Rio de Janeiro e na rua Maria Cândida. Nestes trechos foram colocadas guias, mantendo-se uma largura da rua de aproximadamente seis metros. Estas ruas estão recobertas por pedriscos, sem receberam o asfalto ainda (Figura 5).
A rua Rio de Janeiro é a que corre paralela à praia do Itinga, sendo que no momento da vistoria encontra-se a aproximadamente 6 metros da linha da maré, ou seja, a rua é contigua à praia. Encontra-se totalmente inserida na ZVS da APA de Tamoios. No outro lado da rua, existem residências e comércio, também inseridos nesta mesma zona.
A drenagem pluvial está sendo realizada através de tubulões de concreto de aproximadamente 60 cm de diâmetro. No lado direito da praia observa-se a finalização da canalização drenando diretamente na praia (Figura 5). Já na rua Guanabara, a canalização segue pelo eixo da rua e desemboca diretamente no manguezal (Figura 5). Em outros pontos da rua Maria Cândida, drena-se para pequenos corpos hídricos.
Observou-se um forte processo de ocupação desordenada, especialmente nos fundos das ruas secundárias (perpendiculares às principais), as quais geralmente finalizam em fragmentos florestais, verificando-se parcelamento irregular do solo, supressão e queima de vegetação, aterro de áreas alagadas, construções contiguas aos manguezais, obstruções de canais de drenagem, dentre outros aspectos. Estas edificações (algumas de apenas um cômodo), na sua grande maioria, provavelmente não possuem alvará de construção emitida pela Prefeitura Municipal, porém, praticamente todas possuem eletrificação. Em alguns locais verifica-se adensamento tal que pode ser caracterizado pelo início de um processo de favelização.
3.2. Aspectos legais
Do ponto de vista do Plano Diretor da APA de Tamoios, cabe destacar o seguinte:
Art. 5º - O parcelamento do solo na APA de Tamoios deverá obedecer às seguintes condições:
I – Não será permitido o parcelamento do solo em:
...
c) Zonas de Vida Silvestre.
...
f) na faixa de 30 metros de largura em toda a extensão das praias, ...
...
III – Os projetos de parcelamento do solo que se localizarem na Área de Proteção e Preservação dos Manguezais, definida pela Lei Nº 1.130/87, deverão atender aos seguintes requisitos:
...
b) no caso de não haver sistema de esgoto adequado na bacia receptora os efluentes deverão ser, previamente, tratados conforme exigência da FEEMA (lê-se INEA);
c) a faixa de transição, entre a área de manguezal e a área a ser parcelada, é não edificante, e terá largura variável de acordo com o porte do manguezal, porém, nunca inferior a 15 metros;
d) deverá ser comprovada a viabilidade para a implantação dos seguintes equipamentos urbanos:
1. rede e equipamento para o abastecimento de água potável;
2. rede de escoamento de águas pluviais com corpo receptor adequado;
3. sistema de coleta e tratamento de esgotos sanitários.
Art. 7º - A ocupação do solo no território da APA deverá obedecer aos seguintes critérios:
I – São consideradas não edificantes todas as áreas:
...
c) nas ZVS, exceto as obras indispensáveis a pesquisa e à administração e fiscalização da APA;
...
g) nas áreas consideradas de preservação permanente pela Lei Nº 4.771/65 – Código Florestal, independente do estágio de conservação de sua cobertura vegetal;
...
III – Nas faixas, a seguir determinadas, em toda extensão das praias, contadas a partir dos limites desta, ou seja, onde termina sua faixa de areia, só serão admitidos equipamentos urbanos públicos de estrutura básica e de lazer:
...
c) praias maiores de 101 metros de extensão, numa faixa de 15 metros de largura.
Com relação ao Decreto Estadual 42.159 de 02/12/09, que institui o novo Sistema de Licenciamento Ambiental no Estado do Rio de Janeiro, consideram-se como atividades sujeitas ao licenciamento ambiental no Grupo 33 – Construção Civil, a pavimentação de estradas, vias urbanas e pavimentação especial.
A Resolução CONEMA Nº 18 de 28/01/2010 que aprova a MN-050.R-4 – Classificação de Atividades Poluidoras, apresenta a seguinte redação para o Código 33.61.30 “ Pavimentação de estradas, vias urbanas e pavimentação especial, exceto as obras e intervenções de conservação ou melhorias, nos limites da faixa de domínio de rodovias previstas no art. 2º da Resolução CONEMA Nº 04 de 18/11/08”. O potencial poluidor desta atividade foi classificado como baixo.
A Resolução CONEMA Nº 04 estabelece:
Artigo 2º - “Não dependem de licenciamento ambiental a execução de obras e intervenções de conservação ou melhorias nos limites da Faixa de Domínio de vias e rodovias, que se encontrem em operação, listadas a seguir:
I - poda de árvores, cujos galhos invadam o acostamento ou a faixa de rolamento, encubram a sinalização ou em situação de risco iminente à segurança, respeitados os padrões municipais vigentes para o procedimento;
II - estabilização de taludes de corte e saias de aterro;
III - limpeza e reparo de sistemas de drenagem, que não impliquem em dragagem;
IV – implantação e alteração de sinalização horizontal e vertical, observados os padrões oficiais;
V - implantação de cercas, defensas metálicas ou similares;
VI – execução de recapeamento;
VII – pavimentação e manutenção de acostamento já existente;
VIII – reparos em obras de arte;
IX – implantação de caixa de contenção, ou de retenção, em pontos sensíveis da rodovia, com vistas a prevenir danos decorrentes de derramamento de produtos perigosos;
X – implantação de uma faixa adicional, contígua às faixas existentes, necessária a segurança do tráfego, em trechos de aclive, dentro da Faixa de Domínio já implantada;
XI – obras para melhorias geométricas, recuos, balanças, passarelas, ciclovias e pontos de ônibus.
§ 1º - As intervenções e obras referidas nos incisos VII, VIII, IX, X e XI independem de licenciamento ambiental desde que não:
I – alterem a drenagem natural ou a seção de escoamento fluvial;
II – causem dano à Faixa Marginal de Proteção – FMP de corpos hídricos, aos recursos hídricos e ao solo;
III – necessitem de infra-estrutura de saneamento;
IV – haja risco de poluição ou contaminação dos recursos hídricos; e,
V – haja necessidade de relocação de população.
§ 2º - As intervenções e obras acima referidas devem ser objeto de consulta sobre a necessidade de licenciamento quando as respectivas parcelas das faixas de domínio estiverem inseridas em áreas de preservação permanente, unidades de conservação e em áreas de objeto de programas ambientais de governo, nos termos da legislação em vigor.
§ 3º Quando houver supressão de vegetação dependerá de autorização do órgão ambiental competente.”
3.3. Análise
Por melhor que sejam as intenções do Poder Público Municipal em propiciar melhor qualidade de vida à população, especialmente às mais carentes, não se pode desconsiderar a procedência da denúncia quanto aos futuros impactos e riscos ambientais associados a um forte processo de ocupação urbana desordenada, parcialmente inserida em uma unidade de proteção de uso sustentável e dentro da Zona de Interesse Ambiental de Proteção pela legislação municipal.
Também não se pode desconsiderar a pouca eficiência dos poderes públicos estadual e municipal na contenção deste processo que ainda encontra-se em andamento, acarretando na supressão de vegetação de restinga e de mangue, além do aterro de áreas alagadas, na poluição dos corpos hídricos, no parcelamento irregular do solo, levando a um processo de favelização e conseqüente degradação ambiental.
Se não se pode responsabilizar diretamente a Prefeitura Municipal por esta ocupação desordenada no passado, assim como o Estado pela não coibição da ocupação em ZVS da APA de Tamoios, torna-se imprescindível adotar medidas e estratégias conjuntas para evitar o agravamento do problema, enquanto é tempo, especialmente quando se considera que grande parte desta planície apresenta-se ocupada por vegetação nativa.
Neste contexto, o asfaltamento das ruas, sem um sistema de coleta e tratamento de efluentes domésticos, com uma rede pluvial tecnicamente questionável, em um loteamento em que quase a totalidade das edificações não se encontra regularizada na própria Prefeitura, se não questionável do ponto de vista das prioridades, passa a ser do ponto de vista ambiental, especialmente quando se considera a unidade de conservação e os ambientes frágeis do entorno.
A pavimentação por si só não pode ser considerada como significativamente impactante e, tanto não é que esta atividade ficou classificada como de baixo impacto pela Resolução CONEMA Nº 18. A pavimentação pode estimular a ocupação, mas esta virá, independente da mesma. O que se deva avaliar é quais mecanismos deverão ser adotados para evitar o adensamento populacional indiscriminado, com perdas ambientais significativas.
Historicamente, a rede pluvial tem servido de drenagem de esgotos domésticos que, clandestinamente, conectam à mesma, acarretando na poluição dos corpos hídricos, inclusive as praias.
Pelo exposto, o licenciamento da pavimentação ora em andamento, apesar de estar legalmente previsto uma vez que não se enquadra nas exclusões apresentadas na Resolução CONEMA Nº 4, poderá contribuir no sentido de adotarem-se as medidas corretivas e preventivas para a minimização dos impactos ambientais.
4. Conclusão
• Considerando que a pavimentação ora em andamento, de responsabilidade da Prefeitura Municipal de Angra dos Reis é objeto de denúncia;
• Considerando que parte do empreendimento encontra-se no interior da APA de Tamoios, em Zona da Vida Silvestre, a qual veda qualquer tipo de edificação e equipamento público;
• Considerando que grande parte do bairro é resultante de loteamento irregular e encontra-se em litígio judicial;
• Considerando que está ocorrendo um forte processo de ocupação urbana desordenada, com significativos impactos ambientais negativos;
• Considerando que a rede de drenagem, a princípio, apresenta deficiências técnicas do ponto de vista ambiental;
• Considerando que o bairro não possua infraestrutura de coleta e tratamento de esgoto;
• Considerando que não se conhece o projeto de pavimentação pretendido;
• Considerando que pavimentação de vias públicas é passível de licenciamento pelo Decreto Nº 42.159/09;
• Considerando que a Resolução CONEMA Nº4 não exclui do licenciamento ambiental o capeamento de vias públicas;
• Considerando que não é da competência do Superintendente embargar este tipo de atividade.
Submeto a apreciação do Conselho Diretor do INEA para manifestação quanto às medidas cabíveis, recomendando que o assunto seja posteriormente debatido no Conselho da APA de Tamoios para a elaboração de estratégias que contemplem medidas que deverão ser adotadas em curto e médio prazo objetivando minimizar os impactos sobre a unidade de conservação.
Júlio César Lopes de Avelar
Superintendente Regional / SUPBIG
Mat. 390.255-8
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